Em uma casa mal assombrada, em um lugar muito próximo mas ainda assim tão distante, começou o Dia do Vazio.
E o Dia se alastrou. A casa entrou em ruínas, mas não porque fizeram obras no metrô de São Paulo, até porque técnicamente a casa não estava mais lá, era vazio. São Paulo ficou aterrorizada, mas antes que realmente pudesse concatenar uma estratégia (provavelmente mal sucedida) a cidade foi engulfada no vazio. Ponto. Santos, que nem havia sido alertada, foi obliterada.
Uma senhora manca e desdentada ligou para Curitiba, sua dentadura logo à frente, num copo, e tentou falar com a filha, mas a filha não conseguiu entender. "Põe a bendita dentadura, mãe". Antes que a mãe alcançasse o copo, o vazio alcançou o último átomo de sua mão, e em seguida não havia nem mesmo dentadura a ser alcançada. A filha desligou o telefone, meio chateada, pensando que a mãe desligara em sua cara.
Do outro lado da esfera de vazio (sim, uma esfera) um jovem office boy tentou avisar o chefe que era hora de correr, mas este estava mais interessado em lhe passar as contas do dia para serem pagas no banco. Antes mesmo que o chefe pudesse demiti-lo pelo chingamento, foram obliterados. Suas almas nem mesmo notaram, continuaram brigando no pós vida, mas isso não importa - não para o dia do vazio.
A esfera de vazio aumentava. Cientistas Chineses detectaram uma alteração na órbita do planeta, e um terremoto de proporções gigantescas varreu Tóquio da face do globo, mortes incontáveis com a força da energia gravitacional se esvaindo. Pessoas foram engolidas pela terra que revolvia infinitamente. Mas teriam morrido de qualquer forma. O vazio continuava.
Em Curitiba o Vazio não causou muito espanto. Ninguém acredita nos paulistas, quem dera nos Cariocas, que morreram em tempo récord, coitados, pelas bandas de Curitiba. Não é preconceito: É que eles são superiores mesmo. Eles, os curitibanos, claro. Uma pessoa teve uma premonição num sonho, mas acordou com meio quarto vazio e meio quarto sendo esvaziado a uma velocidade constante, não teve muito tempo de esboçar uma reaçã adequada.
Na Rússia um teste nuclear quase conseguiu refrear a expansão do Vazio, mas caso a bonba tivesse tamanho suficiente para obliterar o vazio, ela obliteraria o mundo também, ou seja, na prática não havia diferença. Assim como não houve diferença para os Norte Americanos, que acreditaram que as perturbações eram causadas pelo teste nuclear russo, e dispararam uma saraivada de ogivas nucleares que jamais chegaram a explodir, porque a Terra já não conservava mais que um terço do seu tamanho total.
O maior desastre mesmo aconteceu quando o Vazio chegou às Ilhas Maurício e não conseguiu engolfar a ilha (uma perturbação normal no espaço vazio, com bolhas de espaço cheio, tal qual nosso universo) mas matou milhares de pessoas e as relegou a viajar o vazio até que se acabasse o suprimento de oxigênio e água. Dois leões do zoológico morreram, e as crianças ficaram muito tristes quando anunciaram que havia carne de leão para o almoço. Carne de leão é muito dura, para quem está acostumado à carne de humanos sedentários.
Então, por fim, o último Krill dos mares foi engulfado, e a Terra acabou. O Dia do Vazio levara tudo o que a humanidade construíra em milênios de evolução, exceto as ilhas Maurício, condenadas à antropofagia até a próxima geração.
A Lua vagou sozinha , perdida em órbita.
Transformou-se numa espécie de planeta errante que adejou no Sol. O Vazio não conseguia crescer à velocidade que crescera anteriormente. A Lua precipitou-se contra o Sol, e no movimento conseguiu desestabilizar a trajetória de Mercúrio. O Sol entrou em Nova.
O vazio foi obliterado.
As Ilhas Maurício permanecem desaparecidas, congeladas no espaço-tempo, repetindo seu destino de tempos em tempos num looping eterno.
O Homem finalmente conseguiu resistir ao tempo, ainda que não pelas próprias mãos.
domingo, dezembro 04, 2005
O Dia do Vazio
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